O que resta dos fatos: testemunho e guinada afetiva no jornalismo

Uma repórter testemunha, de forma deliberada e não por acidente, o fim de uma vida. Outro vai em busca de um “acerto de contas” com o passado da família, encarnado na figura do suposto delator de seus pais, durante a ditadura no Brasil. Um terceiro investiga uma tragédia particular: um homem decide matar a si e a esposa que está em coma – ela morre, ele sobrevive. Há ainda a jornalista que testemunha o nascimento – ainda que simbólico – de uma vida, no agreste pernambucano. Quem testemunha? Como testemunha?

Neste livro, essas são as narrativas convocadas para compor um percurso argumentativo que investiga a dimensão afetiva do testemunho para o jornalismo. A obra toma como referência a literatura do testemunho e o seu desdobramento, sob a perspectiva do media witnessing, para propor um “jornalismo de teor testemunhal” e discutir as intervenções de uma poética do testemunho na construção do real e na narração dos fatos, bem como examinar o lugar do jornalista, ao mesmo tempo testemunha, narrador e personagem da história narrada.

O estudo sugere uma inversão na “matriz de verdade presumida” – característica do estatuto do testemunho do qual o jornalismo é tributário – para uma “matriz de lacuna de verdade”, que torna pertinente narrar pelo que resta dos fatos. Ao final, à luz de cinco operadores, propõe um exercício de análise de narrativa que reconhece a possibilidade da experiência se dar também no relato, a partir de vestígios da memória, no vai e vem contínuo entre o que é arquivado e aquilo que escapa.

Ao valorizar modos de narrar desviantes, que subvertem o espaço normativo do jornalismo em alguma medida, o livro aponta caminhos para uma prática discursiva menos pautada pela racionalidade técnica.