As vozes do silêncio: o movimento pela democratização da comunicação no Brasil

Professor, pesquisador, militante, Márcio Vieira de Souza tem construído sua vida intelectual em torno de dois conceitos essenciais: diálogo, ou seja, comunicação em sua forma mais horizontal, e redes, ou seja, a comunicação em sua forma horizontal mais alargada possível. Mas, sua construção teórica, e o título da obra deixa isto muito claro, ilumina a contradição maior que nunca deixou de marcar as lutas pela democratização da comunicação: a que contrapõe dialeticamente voz e silêncio. Porque, se o potencial da comunicação sempre foi, na História, o de dar voz aos silenciados, a sua realização no mundo tem sido a de produzir paradoxalmente ainda mais silêncio entre os já silenciados. Esse paradoxo me traz, então, a um ponto em que a obra se mostra de muita atualidade, não obstante os 26 anos que se passaram desde sua primeira publicação: o advento da internet.

"A questão da liberdade de expressão na INTERNET foi levantada em forma de polèmica pelo engenheiro carioca Antônio Carlos Zamith Júnior, de orientação ideológica assumida- mente fascista e que se filiou à ALTERNEX, uma rede que "defende a paz, a eliminação do militarismo, o avanço dos direitos humanos e a aplicação da justiça social". Para provocar os associados, Zamith começou a pregar a pena de morte dentro dos fóruns coordenados pelo IBASE, a insultar o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e a senadora do Partido dos Traba- lhadores, Benedita da Silva. Depois de advertido algumas vezes, Zamith foi desligado da rede ALTERNEX (VEJA, n. 27, 1995, p. 77). O fato criou uma polêmica e o IBASE foi acusado de censura. Nos Estados Unidos, também se tem discutido muito sobre o controle da INTERNET e tem sido utilizado como pretexto o fato que a rede está cheia de mensagens pornográficas, pedófilas, ataques políticos e apelos à violência, com o objetivo de impor possíveis formas de controle. [...] É evidente que, por trás da discussão sobre o controle da INTERNET, está a discussão sobre poder e controle da informação das redes de comunicação eletrônica em nível internacional. A descentralização e a forma anárquica e horizontal de crescimento e articulação das redes, incomoda as elites tradicionais mantenedoras do poder em nível internacional e os grandes monopólios da comunicação mundial." (Vozes do Silêncio, p. 111)

Chega-me a dar calafrios, à luz das atuais conjunturas políticas nacional e internacional, com a crescente presença de forças de extrema-direita em instâncias de poder formal - executivas, legislativas e judiciárias -, o que a citação já nos revelava em meados dos anos 1990, quando a internet ainda dava seus primeiros passos e o correio-eletrônico, para além dos fóruns e grupos de discussão, era a promessa colaborativa mais visível.

Murilo César Ramos
Professor Emérito
Faculdade de Comunicação Universidade de Brasilia