Foucault, Subjetividade & Morte: uma perspectiva pós-estruturalista dos Cuidados Paliativos
Keyla Corrêa Montenegro
Considerar a morte como um fenômeno humano requer que a consideremos como um processo socialmente situado, de cuja experiência participam diferentes processos subjetivos. Isso significa colocá-la para além das análises sociológicas exteriorizantes de processos sociais, e tampouco considerá-la apenas na sua dimensão psicológica, em termos de processos subjetivos exclusivamente individuais. Trata-se então de incluí-la enquanto experiência marcada por processos histórico e sociais e constituída por diferentes discursos que atravessam os processos de subjetivação do conceito de ‘morrer bem’. A medicina enquanto disciplina ganha relevância neste tipo de discussão não só por sua participação na organização sócio-política da sociedade mas também por produzir novos discursos de verdade nos quais a morte passa a ser compreendida em termos médicos e psicológicos. É neste contexto sócio-político que uma perspectiva pós-estruturalista do morrer sob os cuidados paliativos se situa: em meio a produção de discursos e em meio a relações de poder. Para tanto, este livro visa percorrer o processo histórico do desenvolvimento médico-tecnológico como o ponto inicial da nossa jornada aos cuidados paliativos. Desenvolvido particularmente a partir de discursos de humanização do processo de morrer o capítulo um vai aborder como o desenvolvimento médico tem influência significativa na maneira como pensamos a morte e o morrer em tempos atuais. Relações de poder que envolvem o paternalismo médico e a subjeição de pacientes à uma morte tecnocrata tambem serão abordados. Em seguida, iremos visitar um pouco das mudanças no discurso e nas práticas associadas ao morrer. Inspirado pelo conceito de ‘morrer bem’, os cuidados paliativos visam alcançar qualidade de vida e conforto no morrer modifica profundamente as configurações do discurso da morte – da tecnocracia para a dignidade na morte – o conceito de morte em nossa sociedade é um conceito atravessado por mudanças sociais, princípios éticos e por discursos de verdade sobre o que é ‘melhor’ para pacientes em terminalidade. Este livro portanto trata os diferentes modelos de assistência como práticas atravessadas por vetores políticos, sociais, históricos e de subjetivação. O ponto fundamental deste trabalho refere-se ao morrer enquanto um fenômeno político cujas relações de poder ocorrem na forma de produção de subjetividade e processos de subjetivação. Ao gerar inteligibilidade sobre os processos de subjetividade e subjetivação envolvidos na prática paliativista, podemos repensar o sistema no qual os cuidados paliativos estão inseridos, a fim de que não se reproduzam as mesmas lógicas biomédicas dominantes e assim favorecer a emergência de sujeito autêntico do morrer.