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Nietzsche: da filosofia do trágico à filosofia trágica, ou o criar como afirmação da vida

Paulo Cesar Jakimiu Sabino

No documentário “desbiográfico” Só dez por cento é mentira, sobre a vida e a obra do poeta Manoel de Barros, assistimos a um trecho lapidar. Ao ser indagado sobre a diferença entre mentira e invenção, o poeta responde: “Se eu disser a você que fui ali na padaria e comprei pão é uma mentira. Eu estou aqui, eu não fui ali na padaria e não comprei o pão. E a invenção é um negócio profundo. Invenção é uma coisa que serve pra aumentar o mundo ”. Como ninguém, o artista sabe que o mundo não é apenas dado, mas também inventado. Inventar ou criar são atividades por excelência afins da arte. A partir da reflexão sobre esses temas buscamos elucidar como acontece a transição entre uma filosofia do trágico e uma filosofia trágica. Nosso intuito foi resgatar alguns pensamentos de Nietzsche para averiguar como ocorre a mudança de uma filosofia que antes apenas refletia sobre uma visão trágica do mundo, para uma que, ao invés de apenas refletir, propõe uma atitude diante de tal situação. Atitude basilar para o ser humano. Nosso trabalho, então, não investiga apenas a criação, mas também é uma interpretação sobre o trágico, tema que parece não se esgotar. Bastante explorado na filosofia e em outras áreas – a psicanálise, por exemplo – como um meio de compreender o indivíduo e o mundo no qual vivemos, é comum que de tempos em tempos ele volte à tona. Apesar das tragédias gregas nascerem em um período tão remoto, ainda parecem próximas a nós. Logo, é perfeitamente possível justificar a necessidade de falar do trágico. Por outro lado, alguns poderiam questionar a relevância do assunto. Após o século XX, questões como as desigualdades econômicas, as atrocidades das guerras e de regimes genocidas, parecem temas bem mais urgentes; ainda mais se levarmos em conta que o século XXI não trouxe nenhuma perspectiva de melhora: as guerras continuam fazendo vítimas, grupos de refugiados desesperados procuram abrigo em outros países, suscitando amplo debate moral sobre as políticas de aceitação ou não desses grupos. É preciso falar de trágico? As tragédias parecem trazer questões que atualmente soam absurdas – desposar a mãe como fez Édipo ou sacrificar a filha em prol da guerra, como fez Agamêmnon. Os temas são interessantes, mas parecem não exigir tanta atenção, sendo preferível nos ocuparmos com a reflexão sobre os melhores tipos de governo, ou mesmo, para ficar no registro da arte, pensar suas condições no mundo capitalista, algo bem mais próximo de nós do que os assuntos das tragédias. São questões genuínas e por isso mesmo objeto de investigação por parte de grandes pensadores. Assim, parece desnecessário tratar de um tema tão remoto, que não contribuiria em nada para a elaboração filosófica dos principais aspectos da vida. Aliás, diante do conturbado momento brasileiro, será ainda importante falar de arte? Não seria assunto de segundo plano?

ISBN: 978-85-5696-404-5

Nº de pág.: 196

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